por Deborah Portilho
Jornal Gazeta Mercantil, Caderno Legal & Jurisprudência, São Paulo, 25.06.2003
Será que um termo que é registrável perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, como marca de medicamento, é aceito para registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA? E será que as marcas dos medicamentos registrados na ANVISA podem ser registradas no INPI? É o que veremos adiante.
Como se sabe, o INPI é o órgão responsável pela concessão de registros de marcas no Brasil, sendo que, no caso de medicamentos, é necessário que a ANVISA “aprove” a marca para que o produto possa ser comercializado.
Ocorre que o INPI e a ANVISA divergem sobre os critérios de registrabilidade, ou seja, o que pode e o que não pode constituir uma marca de medicamento. Na verdade, o que é considerado marca de medicamento para o INPI pode não ser para a ANVISA e o que muitos medicamentos, regularmente comercializados e registrados perante a ANVISA, ostentam em suas embalagens não são, necessariamente, marcas registradas (nem mesmo registráveis) perante o INPI.
Com relação ao entendimento do INPI, existem as proibições constantes do Artigo 124, inciso XIX, da Lei da Propriedade Industrial – LPI (Lei 9.279/1996), no sentido de que a marca candidata a registro não seja uma reprodução ou imitação, no todo ou em parte, e também não seja suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia registrada, ou anteriormente depositada ou, ainda, utilizada por um período mínimo de seis meses. Além destas, existem as restrições previstas pelo Artigo 124, inciso XVIII, da mesma Lei, que impedem o registro de termos técnicos usados na indústria ou na ciência que tenham relação com o produto a distinguir.
Paralelamente, existe a orientação da Organização Mundial da Saúde – OMS – no sentido de que os Estados Membros, dos quais o Brasil é partícipe, devem tomar as medidas necessárias para prevenir a aquisição de direitos de propriedade, como marca de comércio ou serviço, sobre Denominações Comuns Internacionais (DCI) e/ou de termos formados a partir da subtração ou adição de uma letra ou sílaba de tais denominações, que nada mais são que os nomes dos princípios ativos.
Quanto à ANVISA, com a implementação da Lei dos Genéricos (Lei 9.787/1999) e das Resoluções RDC 92/2000 e RDC 36/2001, ficou proibida a comercialização de medicamentos similares sem marca ou com o nome do fabricante antecedendo o nome da substância ativa, ou seja, com o nome do fabricante no lugar da marca.
É importante esclarecer que antes da implementação da LPI, em 1997, o INPI registrava “nomes de fabricante/empresa” como “marcas genéricas”, para identificar a origem dos produtos. Entretanto, a partir da LPI, a figura da “marca genérica” deixou de existir e os nomes dos laboratórios passaram a ser registrados pelo INPI como marcas específicas de medicamentos. Assim, para o INPI, atualmente, marcas como ABBOTT, NOVARTIS, GLAXOSMITHKLINE, etc., são específicas e podem ser registradas para identificar todo e qualquer tipo de medicamento que essas empresas fabriquem.
Esse, contudo, não é o entendimento da ANVISA, a qual determina que, salvo algumas exceções, nomes de empresa não podem ser usados para identificar medicamentos, i.e., como marca.
Como exemplo prático, podemos citar uma notícia publicada na Revista K@iros (n. 156, nov. 2001, p. 33), por meio da qual a Aventis Pharma anuncia que, atendendo às proibições da Lei dos Genéricos, adotou a “marca” PREDNISOLON para identificar seu medicamento anteriormente comercializado como Prednisolona AVENTIS. Assim, AVENTIS que é marca de medicamento devidamente registrada no INPI foi classificada como nome de empresa pela ANVISA e, como tal, teve que ser substituída pelo termo PREDNISOLON, o qual, apesar de aceito como “marca” do produto pela ANVISA, não foi sequer depositada perante o INPI. Por quê? Por um motivo muito simples, por “Prednisolon” ser o equivalente em inglês do nome do princípio ativo Prednisolona, ele não pode ser registrado como marca, em vista dos já citados preceitos do Artigo 124, inciso XVIII, da LPI, e das diretrizes da OMS sobre a questão.
Como se verifica, mesmo sendo o INPI a entidade responsável pelo registro de marcas no Brasil, nenhum medicamento pode ser comercializado sem que a ANVISA aprove o produto e o “nome” correspondente, o qual nada mais é do que a “marca” do produto. Sendo assim, é imprescindível que os dois órgãos unifiquem seus conceitos sobre registrabilidade de marcas. Para tanto, é preciso que seja restabelecido o conceito da antiga marca “genérica”, preferivelmente sob uma nova denominação, para identificar o que a ANVISA classifica apenas como “nome do fabricante”.
Paralelamente, faz-se imperativo que os dois órgãos adotem critérios padronizados para a avaliação de conflitos entre marcas, tanto sob o ponto de vista gráfico, quanto fonético, e que as diretrizes da OMS sejam sempre observadas quando da análise das mesmas. Desta forma, poderemos evitar a comercialização de medicamentos identificados por marcas que não se podem registrar e também que outras regularmente registradas no INPI não obtenham o registro correspondente perante à ANVISA. Só assim, a “mão direita” e a “esquerda” vão ter seus movimentos coordenados.