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Grau de Distintividade e Nível de Proteção das Marcas Farmacêuticas

por Deborah Portilho
Revista UPpharma, nº 161, ano 39, 14 de julho de 2016, p. 66-68

 

Você sabia que a proteção das marcas varia de acordo com seu grau de distintividade? E você sabia também que a capacidade de um titular impedir terceiros de usar marca igual ou semelhante à sua marca registrada está diretamente relacionada a essa distintividade? Justamente por isso é de fundamental importância – não apenas para os titulares de marcas depositadas e/ou registradas, mas principalmente para aqueles cujo trabalho envolve a criação de marcas – entender de que se trata essa tal de “distintividade”.

Talvez por ser usada quase que exclusivamente na área da Propriedade Industrial, a palavra distintividade não seja facilmente encontrada nos dicionários da língua portuguesa . De qualquer forma, pode-se inferir que ela seja uma característica daquilo que é distintivo, ou daquilo que é capaz de distinguir, diferenciar. Aplicando-se essa definição ao Direito Marcário, tem-se que a distintividade é a faculdade que uma marca possui de poder ser distinguida de outras que identifiquem produtos/serviços iguais, ou semelhantes.

Mas como medir o grau de distintividade de uma marca? Sim, porque, se a proteção de uma marca varia de acordo com seu grau de distintividade e se a capacidade de o titular preservar a exclusividade de uso dessa marca depende diretamente desse grau, é imprescindível saber como fazer essa avaliação.

No intuito de facilitar essa análise, propomos a utilização de um gráfico, denominado “Espectro de Distintividade”. Nesse sentido, cabe observar que o conceito desse espectro foi estabelecido por meio da decisão norte-americana no processo Abercrombie & Fitch Co. v. Hunting World 537 F.2d 4 (2nd Cir. 1976) e é bastante útil para explicar o nível de distintividade e de proteção de diferentes tipos de marcas.

De acordo com a doutrina norte-americana, as marcas são divididas dentro desse espectro em cinco categorias, que variam do grau mais forte de distintividade ao mais fraco: fanciful (fantasiosas) / arbitrary (arbitrárias) / suggestive (sugestivas ou evocativas) / descriptive (descritivas) / generic (genéricas).

Comecemos, então, pelas marcas com maior grau de distintividade, que são as fantasiosas. As marcas assim denominadas são as mais fortes, uma vez que são formadas por termos não dicionarizados e sem qualquer significado óbvio. A marca VIAGRA, do Laboratório Pfizer, por exemplo, foi criada em 1992 por Arlene Teck, a partir da simples combinação das palavras “vigorous” + Niagara = VIAGRA . Como essa palavra foi inventada e não possui significado algum em qualquer idioma, ela é classificada como fantasiosa e, como tal, possui o mais alto grau possível de proteção marcária.

Na categoria seguinte estão as marcas classificadas como arbitrárias. Elas são assim designadas pela utilização de expressões já existentes no vernáculo, ou em outro idioma, mas que não guardam qualquer relação com o produto ou serviço que identificam. Podemos citar como exemplo a marca DEJAVÚ, que é uma expressão em francês (Déjà vu), mas também usada em outros idiomas, inclusive no português, para descrever uma falsa sensação de já se ter visto ou presenciado algo que se está vendo ou presenciando pela primeira vez . Pelo fato de a marca DEJAVÚ não guardar qualquer relação, direta ou indireta, com o medicamento que ela identifica (o citrato de sildenafila do Laboratório Eurofarma), ela possui um grau de proteção significativo e, portanto, o Eurofarma pode impedir que outras empresas no mesmo segmento, ou em segmentos afins, façam uso de marca igual ou semelhante.

Na terceira categoria, temos as marcas evocativas/sugestivas, que, como o próprio nome indica, são aquelas que evocam, ou sugerem uma característica ou finalidade do produto. Ocorre que algumas dessas marcas fazem tal sugestão de modo sutil, exigindo algum esforço mental e interpretativo para que se possa compreendê-las, enquanto outras evocam/sugerem de forma bastante clara, pois são formadas por termos de uso comum no segmento. Por esse motivo, na nossa versão do Espectro de Distintividade, fizemos um desdobramento dessa categoria, de modo a dividi-la em (i) marcas evocativas/sugestivas por associação de ideias e (ii) evocativas formadas por termos de uso comum.

Com relação às marcas evocativas por associação de ideias, podemos citar o citrato de sildenafila identificado pelas marcas HELLEVA, do Cristália, e ESCITAN, da Medley. Em ambos os casos, as marcas evocam, por meio de associação de ideias, uma ação do produto, mas sem descrever essa ação, ou qualquer outra característica, ou finalidade do medicamento. Em outras palavras, a associação em questão não é direta, nem imediata e requer uma “interpretação” do significado dessas marcas. Assim, por não serem formadas por termos de uso comum, necessários, nem vulgares na categoria em que estão inseridas, elas são consideradas moderadamente fortes e, portanto, seus titulares podem impedir terceiros de usar marcas iguais, ou semelhantes no mesmo segmento, ou em segmento afim.

Por sua vez, para exemplificar as marcas evocativas formadas a partir de termos de uso comum, escolhemos a marca BENEGRIP, da Hypermarcas, que evoca/sugere a finalidade do medicamento que ela identifica. Por ser formada por um radical de uso comum nessa categoria (“GRIP”), essa marca tem uma proteção relativamente fraca e, como tal, carrega o ônus de coexistir com outras marcas semelhantes, tais como MULTIGRIP (do Multilab), CIMEGRIPE (do Cimed), GRIPEN (do EMS), entre várias outras.

As duas últimas categorias são formadas, respectivamente, pelos termos descritivos e pelos genéricos. Como exemplo de marca descritiva de medicamento, podemos citar a TIRATOSSE, da Farmasa/Hypermarcas. Observe-se que essa marca descreve a finalidade do xarope que ela identifica, e, por esse motivo, sua proteção é bastante limitada. Ou seja, seu titular não tem como impedir que terceiros façam uso dos termos TIRA e TOSSE, isoladamente, ou na formação de novas marcas a partir de outras combinações, tais como PARATOSSE (do Laboratório Heralds), ou do hipotético TIRADOR.

Por fim, as marcas formadas por termos genéricos são aquelas que designam o próprio produto ou serviço. Como exemplo, podemos citar a marca LABORATÓRIO (nominativa), depositada perante o INPI, sob o número 906198160, em 04.05.2013, para identificar diversos produtos cosméticos e de perfumaria (Classe 03). Considerando que “LABORATÓRIO” é o nome/termo genérico que identifica o tipo de estabelecimento onde esses produtos são fabricados, ele não possui distintividade alguma para servir de marca. Justamente por esse motivo, esse pedido de registro foi indeferido pelo INPI, em 05.01.2016.

De modo a ilustrar os seis graus de distintividade que formam o nosso Espectro e para que os diferentes níveis de proteção possam ser compreendidos em conjunto, abaixo estão os exemplos citados no texto, alocados em suas respectivas categorias:

Em resumo, e como se verifica, a compreensão do conceito de distintividade dentro do Direito Marcário, bem como de seus diferentes graus, pode ser bastante útil para os titulares de marcas defenderem seus direitos, e, principalmente, para os criativos que trabalham no desenvolvimento de novas marcas (“naming”). Afinal, como esse grau de distintividade pode determinar não só a registrabilidade de uma marca, como também o nível de proteção que ela pode vir a ter no futuro, ele precisa ser entendido, compreendido e aplicado, preferencialmente, de forma profilática.

 


Notas:
(1) Dicionários Aurélio e Houaiss consultados em suas versões digitais
(2) http://www.linkedin.com/groupItem?view=&srchtype=discussedNews&gid=1058827&item=31031681&type=member&trk=EML_anet_qa_cmnt-cDhOon0JumNFomgJt7dBpSBA:
(3) HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Eletrônico 100 anos. 5ª ed. Curitiba: Positivo Informática, 2010

© Deborah Portilho – maio de 2016

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