Dportilho

O “alto renome” e a proteção da marca em todas as classes

Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 170- ano 41, Nov/Dez 2017, p.46-47

Desde 2004, quando o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) normalizou pela primeira vez os procedimentos para o reconhecimento do “alto renome”, previsto pelo art. 125[1] da Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/1996 (LPI), inúmeras marcas dos mais variados segmentos de mercado tiveram seu alto renome declarado. Entretanto, apenas no primeiro semestre de 2017 é que as primeiras marcas farmacêuticas obtiveram tal reconhecimento pelo INPI. São elas:

ASPIRINA, ENO, VIAGRA e NEOSALDINA[2].

Mas, o fato mais curioso é que, apesar de a declaração de alto renome conceder o mesmo grau de proteção para todas essas e outras marcas, na prática, os benefícios desse status variam de marca para marca. E, para entender como e por que essa variação ocorre, é preciso compreender o real propósito da declaração de alto renome pelo INPI, o qual é, geralmente, interpretado de forma incorreta.

Antes, contudo, é importante apresentar uma breve explicação sobre (i) o que é o alto renome; (ii) quais marcas podem requerer esse reconhecimento ao INPI; e (iii) em que consiste a “proteção especial, em todos os ramos de atividade”, prevista pelo art. 125 da LPI.

Sobre os itens (i) e (ii), diríamos, resumidamente, que, para uma marca ser considerada de alto renome, é preciso que ela seja distintiva; esteja registrada no Brasil; que sua reputação e prestígio ultrapassem as fronteiras do seu segmento de mercado originário, sendo reconhecida por ampla parcela do público brasileiro em geral; e que ela tenha uma “eficácia simbólica” capaz de atrair os consumidores por sua simples presença em produto e/ou serviço, ainda que de segmento totalmente distinto[3].

Assim sendo, em princípio, todas as marcas (farmacêuticas ou de outros segmentos), que se enquadrem na definição supra e preencham os requisitos em questão, podem ser objeto de um pedido de declaração de alto renome e obter a “proteção especial”, mencionada no item (iii), citado acima no segundo parágrafo.

Mas em que exatamente consiste essa “proteção especial”?

Sobre esse ponto, vale notar que quando o INPI concede o registro a uma determinada marca, para identificar um dado produto ou serviço, isso significa que aquela marca está automaticamente protegida, em todo o território nacional, para identificar aquele(s) produto(s)/serviço(s) naquela classe específica.  Essa é a proteção “comum” a que todas as marcas regularmente registradas têm direito e que pode ser obtida em qualquer classe de produto/serviço do Sistema de Classificação Internacional de Marcas[4], em que o titular efetivamente atue, de forma direta ou indireta. Por seu turno, às marcas declaradas de alto renome é concedida proteção em todas as 45 classes do referido sistema de classificação e, justamente pela extensão dessa proteção, ela é considerada “especial”. 

Entretanto, diferentemente do que possa parecer, o propósito dessa “proteção em todas as classes” não é conferir à marca de alto renome um registro em cada uma das 45 classes da classificação marcária, mas sim a possibilidade de impedir que terceiros registrem marcas iguais ou semelhantes em qualquer uma dessas 45 classes. Considerando que, como já dizia Confúcio, “uma imagem vale mais que mil palavras”, utilizamos uma figura que ilustra a proteção de alto renome concedida pelo INPI à marca VIAGRA, registrada na Classe Internacional 05, para identificar medicamentos:

 

Especificamente no caso da marca VIAGRA, cabe notar que existem vários pedidos de registro para essa mesma marca, depositados por diferentes empresas, em diversas classes – para identificar produtos totalmente distintos de medicamentos, tais como: amendoins, bebidas, guindastes, transportes, baterias e até roupas e acessórios –, todos aguardando decisão sobre as oposições apresentadas pela empresa Pfizer, titular da marca original. Considerando que a proteção concedida originalmente para essa marca abrange apenas medicamentos e produtos/serviços afins (cosméticos ou serviços médicos, por exemplo), a Pfizer teria certa dificuldade para conseguir o indeferimento desses pedidos de registro em classes tão distintas. Mas como a marca VIAGRA teve seu alto renome reconhecido em abril de 2017, dois desses pedidos de registro já foram indeferidos pelo INPI, com base no art. 125 da LPI, e os outros, em breve, também terão o mesmo destino.

Assim, resta apenas esclarecer por que os efeitos práticos dos benefícios do alto renome variam de marca para marca. A explicação é simples: tendo em vista que a finalidade principal do alto renome é impedir o registro de marcas iguais ou semelhantes em classes distintas, se determinada marca é muito prestigiada, mas não é visada pelos piratas “caroneiros”, a declaração de alto renome não terá tanta utilidade prática como no caso da marca VIAGRA. As marcas ASPIRINA e NEOSALDINA, por exemplo, podem até terem sido imitadas por concorrentes, mas não foram depositadas por terceiros para identificar produtos ou serviços em classes distintas. Portanto, na prática, os benefícios auferidos pela Pfizer com o reconhecimento do alto renome da marca VIAGRA são, comparativamente, maiores do que aqueles auferidos pelas empresas Bayer e pela Takeda, titulares das marcas ASPIRINA e NEOSALDINA, respectivamente.

Por fim, quanto às marcas BAYER e ENO, vale notar que, por serem marcas formadas por um número menor letras, a possibilidade de elas estarem presentes na formação de outras marcas é muito maior do que as marcas mais longas. A título de exemplo, podem ser citadas a marca “B BAYERVENTO TECNOLOGIA AEROMECANICA” (na forma mista), registrada pela empresa de mesmo nome, na classe NCL(7) 11, para identificar ventiladores, exaustores, cabines de pintura, entre outros, e a marca LUQUENO (na forma nominativa), da empresa Cropchem Ltda, registrada também na classe 05, mas para identificar fungicidas, herbicidas e inseticidas.

Seja como for, é sempre importante lembrar que, se determinada marca preencher os requisitos para ter seu alto renome declarado, essa declaração deve ser solicitada, pois, como já discutimos em artigo anteriormente publicado nesta mesma coluna, intitulado “Quem tem direito ao Alto Renome?”[5], existem outras vantagens proporcionadas pela declaração de alto renome. Além do mais, desde a publicação das Resoluções nº 107/2013 e nº 172/2016 pelo INPI, a validade da declaração passou de cinco para dez anos, sendo que, durante o último ano de vigência, o titular poderá apresentar ao INPI novo requerimento de reconhecimento do alto renome daquela marca, instruído com dados recentes. Assim, mesmo que a marca em questão não identifique um medicamento, certamente o reconhecimento do seu alto renome pelo INPI poderá cortar o mal pela raiz e evitar muitas “dores de cabeça” causadas pela convivência indesejada com uma marca idêntica, ainda que em outro segmento de mercado.

©Deborah Portilho* – novembro de 2017
Contato: deborah.portilho@dportilho.com.br

* Advogada especializada na área de Propriedade Industrial, Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pela Academia do INPI e com MBA em Marketing pelo Ibmec/RJ; professora de Direito de Propriedade Industrial da pós-graduação (LL.M.) em Direito Corporativo do Ibmec/RJ; sócia-diretora da D.Portilho Consultoria, Auditoria & Treinamento em Propriedade Intelectual; presidente da Comissão de Direito da Moda da OAB/RJ (CDMD);  membro do Conselho Consultivo e de Ética da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI) e membro também da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI e do Pharmaceutical Trade Mark Group – PTMG.


[1] Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade.

[2] Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/arquivos-dirma-1/inpimarcas_marcasdealtorenomeemvigncia_29082017_PADRO.pdf>

[3] Como a LPI não define o alto renome, essa atribuição cabe ao INPI e a definição atualmente em vigor consta da Resolução INPI nº 107/2013, atualizada pela Resolução INPI Nº 172/2016:

Art. 1º Para efeitos desta Resolução, considera-se de alto renome a marca registrada cujo desempenho em distinguir os produtos ou serviços por ela designados e cuja eficácia simbólica levam-na a extrapolar seu escopo primitivo, exorbitando, assim, o chamado princípio da especialidade, em função de sua distintividade, de seu reconhecimento por ampla parcela do público, da qualidade, reputação e prestígio a ela associados e de sua flagrante capacidade de atrair os consumidores em razão de sua simples presença.

(…)

Art. 3º A comprovação da alegada condição de alto renome deverá estar vinculada a três quesitos fundamentais:

I. Reconhecimento da marca por ampla parcela do público brasileiro em geral;

II. Qualidade, reputação e prestígio que o público brasileiro em geral associa à marca e aos produtos ou serviços por ela assinalados; e

III. Grau de distintividade e exclusividade do sinal marcário em questão.

[4] O Sistema de Classificação Internacional de Marcas, também conhecido como Classificação de Nice, con­tém 34 classes de produtos e 11 classes de serviços.

[5] Disponível em: http://dpm.srv.br/revista/130/index.html. Acesso em 04.11.2017.

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