Trade Dress: uma análise de seu significado e viés dinâmico na moda.

Deborah Portilho
Revista do Advogado – AASP #162
Junho de 2024

1. Introdução

Quando Apesar de a definição do trade dress ser complexa e, portanto, de difícil compreensão, seu conceito pode ser facilmente explicado por meio de uma analogia feita há vários anos pelo advogado estadunidense William Lewis com uma famosa frase do juiz da Suprema Corte dos EUA Potter Stewart (1915-1985), quando, em 1964, este tentava explicar pornografia hardcore, ou o que é obsceno: Eu sei quando eu vejo¹. E Lewis justificou a analogia afirmando ser muito mais fácil compreender visualmente o trade dress do que descrever em palavras exatamente o que ele significa². De fato, pelo menos para aqueles que transitam pela área da moda, basta olhar para uma caixa de presente na cor azul turquesa envolta por uma fita branca de cetim; um sapato com solado na cor vermelha; ou uma fachada e/ou o interior de uma loja decorada com listras brancas e pretas, para saber que essas são características distintivas, respectivamente, das embalagens da joalheria Tiffany, dos sapatos Louboutin e das lojas Sephora. Vale salientar que essas características podem ser prontamente reconhecidas pelos consumidores familiarizados com o segmento da moda mesmo sem a presença de uma marca (nome) ou logotipo que os identifique.

Contudo, essas são características constantes, ou seja, que vêm sendo usadas de forma ininterrupta e sem sofrer qualquer variação ao longo dos anos e, apesar de não serem inerentemente distintivas³, fazem com que uma identidade visual se torne amplamente conhecida e passe a contar com a proteção do instituto do Trade Dress. Porém, não são apenas as características constantes que podem constituir trade dress. Na realidade, características dinâmicas – ou seja, aquelas que não se mantêm constantes em relação à sua posição, tamanho e/ou cor quando apostas ao produto/serviço – também podem ser protegidas como trade dress.

Assim sendo, o objetivo deste artigo é duplo. Inicialmente, demonstrar que a dificuldade, mencionada por Lewis, de descrever o que é trade dress, de modo que seu real significado possa ser compreendido, também ocorre no Brasil, e que essa dificuldade pode ser devida ao fato de a expressão ser corriqueiramente utilizada aqui com dois significados distintos, sem que isso seja necessariamente percebido. Com base nessa premissa, pretendemos demonstrar que a diferenciação desses dois significados é indispensável para que os operadores do Direito tenham clareza em relação ao real significado da expressão trade dress e de quando o instituto de mesmo nome pode ser invocado, pois nem sempre ele é aplicável aos casos em que figura como fundamento.

Não são apenas as características
constantes que podem constituir
trade dress. Características dinâmicas
também podem ser protegidas.

O segundo objetivo é evidenciar que características dinâmicas – que geralmente são comuns em outros segmentos, como no de brinquedos, cosméticos e alimentos – podem estar presentes, também, em produtos da indústria da moda e, se atenderem aos requisitos essenciais para constituir trade dress, podem ampliar o escopo de proteção das criações dessa indústria, em especial, dos designs de moda.

Assim sendo, com a clareza do real significado do trade dress, aliada ao reconhecimento de que características distintivas de artigos de moda, assim como de outros segmentos, podem se apresentar tanto de forma constante quanto dinâmica, as ações judiciais sobre contendas de trade dress possivelmente serão mais bem embasadas e, consequentemente, mais bem decididas.

2. Trade Dress no Brasil: uma expressão, dois significados

O Trade Dress é oriundo dos Estados Unidos da América e foi definido pela Suprema Corte daquele país como
“the commercial look and feel of a product or service that identifies and distinguishes the source of the product or service. It includes the various elements (such as the design and shape of materials) used to package a product or
services” (Trade…, 2023).
No Brasil, o trade dress foi conceituado por José Carlos Tinoco Soares (2016, p. 15), inicialmente, como o “visual interno e externo do estabelecimento”; em seguida, como “conjunto visual” e, posteriormente, como “conjunto-imagem”, que foi a expressão que se consolidou no meio jurídico.
Alguns anos depois, ele sugeriu a adoção da expressão “vestimenta comercial”, já que esta seria “mais ampla e adequada” do que aquelas anteriormente propostas (Soares, 2016, p. 15).
Não obstante a tentativa de adoção de uma expressão em português para substituir o trade dress, a expressão em inglês continuou a ser utilizada pelos doutrinadores e, consequentemente, pelo Judiciário, simultaneamente com as expressões cunhadas por Tinoco Soares, em especial “conjunto-imagem”. Contudo, algumas ações judiciais que vêm sendo propostas com base em violação de trade dress, bem como as respectivas decisões, demonstram que o real significado do Instituto do Trade Dress ainda não foi efetivamente compreendido.
Nesse sentido, muito provavelmente pelo fato de o trade dress ainda não estar positivado na legislação brasileira, é comum vermos a expressão trade dress sendo utilizada como sinônimo de identidade visual/sensorial do produto e/ou do serviço a ser protegido (ex.: o trade dress do produto/embalagem/loja), como também para especificar o tipo de
proteção pretendida (proteção por trade dress, ou seja, por meio da repressão à concorrência desleal).
Neste último caso, como se trata do instituto jurídico em questão, adotamos a expressão capitalizada: Trade Dress, de modo a diferenciá-la do uso de trade dress como sinônimo de identidade visual/sensorial.
Observe-se que essa diferenciação é particularmente importante quando a expressão trade dress é utilizada como sinônimo de identidade visual.4 Nesse aspecto, vale salientar que nem todas as identidades visuais e/ou sensoriais – sejam elas de produtos e/ou de serviços – podem ser consideradas trade dress e, portanto, não podem contar com a proteção do Instituto Trade Dress. Tal equívoco – que ocorre tanto por parte dos doutrinadores quanto de nossos magistrados – é analisado pelo professor Tinoco Soares (2016, p. 8-9) em seu artigo intitulado “O emprego inadequado do termo trade dress”, no qual ele cita algumas decisões judiciais que, apesar de terem sido propostas com base em infração de trade dress (e assim julgadas), não passavam de casos de concorrência desleal por imitação de envoltórios ou de elementos característicos com aplicação das mesmas cores e até mesmo de violação de Direito Autoral.

Desse modo, entendemos ser necessário apresentar uma definição precisa de trade dress, que diferencie os dois sentidos da expressão, tal como utilizados no Brasil. Entretanto, em vez de propormos uma nova expressão que sirva para traduzir ou conceituar trade dress, preferimos manter o termo original em inglês e adequar sua definição à realidade da doutrina e da jurisprudência brasileiras, tal como fizemos no Parecer Técnico Jurídico sobre um conflito na área da moda (apresentado às fls. 81-185 do Processo nº 1105007-6.2022.8.26.0100), em curso na 2ª Vara Empresarial de Conflitos de Arbitragem do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“O trade dress é a identidade visual e/ou sensorial de um produto ou serviço, com capacidade de ser reconhecida pelo consumidor – mesmo sem a presença da marca –, como sendo de uma determinada origem e não de qualquer outra. Ausente essa capacidade, trata-se apenas de uma simples identidade visual e/ou sensorial, incapaz de ser protegida pelo instituto do Trade Dress, ou seja, pela repressão à concorrência desleal” (Portilho, 2022, fls.130, grifo do autor).

Essa diferenciação – e, principalmente, a compreensão desses dois significados – é particularmente importante quando se trata de ações judiciais propostas para assegurar direitos sobre designs de moda, pois a grande maioria desses designs geralmente não se qualifica para a proteção por Trade Dress, como será discutido a seguir.

3. O trade dress e a proteção da moda no Brasil

De acordo com o saudoso professor dr. Newton Silveira, são vários os tipos de sinais distintivos que uma empresa pode possuir, entre os quais estão a marca de fato (não registrada) e o trade dress (Silveira, 2009, p. 3). Dessa forma, sendo
o trade dress um sinal distintivo e considerando que o art. 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal prevê proteção para as criações industriais, a propriedade das marcas, os nomes de empresas e para outros “signos distintivos”, pode–se concluir que, assim como os demais, o trade dress encontra proteção na nossa Carta Magna.

São vários os tipos de sinais
distintivos que uma empresa pode
possuir, entre os quais estão a marca
de fato e o trade dress.

Contudo, como não há uma previsão legal positivada para a proteção preventiva (por meio de um registro) específica para o trade dress, se ele não puder ou não estiver protegido como marca, desenho industrial e/ou direito autoral, essa proteção só poderá ser feita pela via judicial, por meio da repressão à concorrência desleal, com base nos arts. 2º, inciso V,5 195, inciso III,6 e 209, caput,7 da Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96 (LPI), bem como na Convenção da União de Paris (CUP), em seu art. 10 bis.8 Não obstante a ausência de um registro específico, certas características que podem ser consideradas trade dress, tais como a forma distintiva e não funcional de alguns produtos e de embalagens, podem ser registradas no Brasil como desenho industrial e/ou como marca tridimensional. Exemplos que podem ser citados são o frasco dos perfumes Acqua Fresca, Thaty, entre outros d’O Boticário, e o frasco do perfume Chance, da Chanel, este registrado tanto como desenho industrial como marca 3D.

Da mesma forma, algumas padronagens e texturas distintivas utilizadas na indústria da moda também podem ser registradas aqui como desenho industrial e/ou como marca mista e, igualmente, constituir trade dress. Para exemplificar, citamos a padronagem xadrez da Burberry e as estampas Damier e Mongrama, da Louis Vuitton, todas registradas como marcas mistas. Ao lado desses exemplos, podemos mencionar a textura denominada Epi leather, também característica dos produtos Louis Vuitton, registrada no Brasil como marca figurativa.

Por outro lado, algumas características distintivas, tais como algumas cores isoladas que são reconhecidas como trade dress de seus respectivos produtos – a exemplo da cor azul turquesa da Tiffany –, não podem ser registradas como marca no Brasil, por força do art. 124, inciso VIII, da LPI,9 o qual proíbe o registro de cores e suas denominações. Não obstante, caso terceiros façam uso indevido da cor característica da Tiffany em produtos iguais ou afins, essa empresa pode ajuizar uma ação com base na repressão à concorrência desleal, por violação do seu trade dress.

Com relação à proteção dos designs de moda, particularmente em vista da mutabilidade e efemeridade das coleções e do grande número de peças que as compõem, muitas empresas preferem não investir no registro de suas criações como desenho industrial. Desse modo, se algum design de moda não estiver protegido como desenho industrial e não podendo ele ser registrado como marca mista nem figurativa (pois não se trata de
marca e sim do design de um artigo do vestuário), restam apenas duas possibilidades: a proteção do design pelo Direito Autoral ou por Trade Dress.

No que diz respeito ao Direito Autoral, alguns doutrinadores entendem que os designs de moda não podem ser considerados “criações artísticas” e que, portanto, não podem ser protegidos pela Lei de Direitos Autorais nº 9.610/1998 (LDA), mas tão somente como desenho industrial. Entretanto, discordamos desse entendimento, pois, mesmo que a ausência de registro seja uma opção de algumas empresas, existem designs de moda que simplesmente não podem ser registrados como desenhos industriais – como é o caso das peças da alta-costura francesa e da alta moda italiana, que
são fabricadas à mão – e que, portanto, não atendem ao pressuposto da fabricação industrial para obterem o registro. Assim sendo, até que tenhamos uma legislação específica para a proteção das criações da indústria da moda, sempre que necessário e havendo originalidade suficiente para a proteção autoral, o direito autoral pode e deve ser invocado.

Por fim, quanto à proteção das criações da moda por meio do Trade Dress, já vimos que formatos de produtos e/ou de embalagens, estampas e outras criações dessa indústria são passíveis de registro – tanto como desenho industrial quanto como marca – e que, também, podem ser protegidos como trade dress. Assim, resta apenas saber se essa proteção também se aplica aos designs de moda, que é o que veremos a seguir.

3.1. Da proteção dos designs de moda por Trade Dress

Em princípio, para merecer a proteção por Trade Dress, a característica ou conjunto de características visuais e/ou sensoriais deve preencher três requisitos essenciais, quais sejam: (i) distintividade, que pode ser inerente ou adquirida; (ii) ausência de funcionalidade; e (iii) risco de confusão.

Vale notar que esses requisitos são necessários não apenas em relação às características dos produtos/serviços no segmento da moda, mas em todo e qualquer segmento. Porém, considerando que a moda é cíclica e que se vale de muitas releituras e de cortes e detalhes já utilizados anteriormente, os designs de moda – aqui entendidos como designs de peças do vestuário e acessórios – podem até ser novos e originais (que são dois dos
requisitos para o registro como desenho industrial), mas geralmente não possuem distintividade, que é o principal requisito para proteção como trade dress.

Nesse aspecto, é importante salientar que a distintividade é a capacidade que um sinal possui de poder ser identificado e distinguido de outros que identifiquem produtos/serviços iguais ou semelhantes. Em outras palavras, podemos explicar
a ausência de distintividade dos designs de moda em geral utilizando a frase mencionada do início deste artigo na forma negativa: “Eu [não] sei quando eu vejo”. Com efeito, no que diz respeito à
grande maioria das peças de roupas e acessórios, sua origem só é reconhecida pela presença da respectiva marca, mas não por seu design.

Caso esse design possa ser reconhecido, sem necessidade da marca e/ou logotipo que o identifique, como é o caso, por exemplo, das estampas da Burberry, tem-se um trade dress protegível. Caso contrário, é apenas um design de moda sem uma proteção definida.

Tendo apresentado os conceitos necessários sobre trade dress, bem como os requisitos para sua proteção, passaremos então à análise de um interessante fenômeno observado ao longo da ascensão da relevância do Trade Dress no mercado: a dinamicidade atrelada ao instituto em alguns ramos específicos.

4. Das características dinâmicas do trade dress e sua importância para o segmento da moda

Conforme tratamos anteriormente, a constância no uso de uma identidade visual/sensorial, ainda que esta não seja inerentemente distintiva, é capaz de torná-la amplamente conhecida, de forma a ser protegida por Trade Dress. No entanto, em se tratando de características essencialmente genéricas,
mas com algum grau de distintividade, essa proteção pode não se limitar ao seu uso ininterrupto e invariável no mercado. Isso porque temos observado que características dinâmicas – ou seja, aquelas que não se mantêm constantes em relação à sua posição, tamanho e/ou cor quando apostas ao produto/ serviço – também podem ser reconhecidas como trade dress. Denominamos essa particularidade, até então não identificada pela doutrina, de trade dress dinâmico.

A constância no uso de uma
identidade visual/sensorial é capaz de
torná-la amplamente conhecida.

O fenômeno do trade dress dinâmico é facilmente percebido em segmentos como os de brinquedos, produtos cosméticos, artigos do vestuário, entre outros, por uma peculiaridade que eles têm em comum. Nesses segmentos, os produtos de uma única marca geralmente são comercializados em uma multiplicidade de embalagens e/ou com diferentes características e, mesmo assim, são prontamente reconhecidos pelos consumidores, particularmente pelo seu público-alvo, mesmo sem a presença da marca.

Nesse sentido, vale mencionar que, no ano de 2015, tivemos a oportunidade de expor esse conceito em parecer de nossa autoria, nos autos da ação movida pela então consulente, a empresa Hasbro Inc., por violação do trade dress dos brinquedos Play Doh pela marca Super Massa, da concorrente Brinquedos Estrela S.A.10

Naquela ocasião, aplicamos, por analogia,
o conceito de unidade na diversidade, 11
originário da área de Design Gráfico, e assim ilustramos como tais produtos podem ser prontamente reconhecidos pelos consumidores.

Nesse aspecto, mesmo que os brinquedos em geral sejam comercializados em embalagens de diferentes formas e tamanhos, isso não prejudica o reconhecimento das diferentes marcas existentes no mercado, pois o conjunto de elementos e de características distintivas, que formam o trade dress básico de cada marca, geralmente é mantido inalterado e é por meio desse conjunto de características que o consumidor reconhece a marca. Como exemplo,
podemos citar as características distintivas das bonecas Barbie, as quais podem ser percebidas tanto nos brinquedos da marca – mesmo sem qualquer indicação do nome/logotipo “Barbie” – como, também, nas roupas e acessórios apresentados no desfile da Moschino da coleção Spring/Summer 2015, ocorrido em Milão, em setembro de 2014.

Observe-se que esse conceito da dinamicidade do trade dress também pode ser aplicado aos produtos de algumas marcas de moda, as quais possuem estilos e características próprias e podem ser prontamente reconhecidas pelos seus consumidores, como é o caso dos produtos da Kipling, que tiveram sua identidade visual reconhecida como trade dress em um caso emblemático envolvendo a concorrente VVT.12

No referido caso, foi realizada perícia técnica, a qual destacou todos os elementos que são característicos do trade dress dos produtos Kipling e estavam presentes nos produtos da concorrente, de modo que o perito entendeu que há uma “sequência de elementos que com o tempo e repetição construíram o conjunto-imagem ou o ‘trade dress’ da marca da autora”.

O curioso é que, ao fazer tal afirmação, o perito considerou não apenas um, mas todos os produtos da autora Kipling em comparação aos produtos da VVT.

Com efeito, os produtos da marca Kipling não possuem apenas uma característica distintiva, mas sim vários elementos distintivos, que, utilizados em conjunto ou mesmo isoladamente, constituem seu trade dress. Assim sendo, a presença de elementos semelhantes em produtos de outra empresa, como no caso da VVT e de seus produtos Vivatti, trazem à memória do consumidor a imagem dos produtos da Kipling. E é em vista dessa facilidade de reconhecimento que se pode afirmar que o trade dress em questão é extremamente forte, inclusive apresentando essa característica de
dinamicidade, que se opõe ao “trade dress constante’’, que é o que se observa comumente nos produtos e serviços.

Observe-se que esse caso ganha ainda mais importância, indo além do reconhecimento do trade dress da marca, quando constatamos a possibilidade de o trade dress poder ser constituído por um ou mais elementos distintivos que independem da forma dos produtos que identificam, afastando a ideia de que, para ser protegida por Trade Dress, é necessário que a identidade visual total de um produto seja sempre preservada. Além do mais, quando esses elementos são reconhecidos pelos consumidores, independentemente da presença da marca do produto, resta demonstrada a sua imensa capacidade distintiva e a consequente necessidade de repressão a toda e qualquer imitação por parte de concorrentes.

5. Conclusão

Como discutido neste artigo e, também, anteriormente evidenciado por Tinoco Soares (2016), o real significado do conceito de trade dress ainda não foi totalmente compreendido pelos operadores do Direito no Brasil. Isso foi observado a partir da constatação de que algumas ações que haviam sido propostas com base em violação de trade dress foram prejudicadas, principalmente, pela inaplicabilidade desse instituto ao caso concreto. Diante disso, propusemos uma definição precisa do que pode constituir trade dress, nos moldes da definição estadunidense, porém adequada à realidade brasileira, que a utiliza com duplo significado.

Nesse sentido, diferenciamos os dois usos do termo trade dress, sendo o primeiro, em caixa-baixa, como sinônimo de identidade visual e o segundo, em caixa-alta, Trade Dress, na qualidade de instituto jurídico. De qualquer forma, sustentamos que o uso da expressão em inglês pode e deve ser feito simultaneamente com o uso das demais expressões existentes em português, pois elas já foram incorporadas em nosso vocabulário jurídico como sinônimas.

Feitas essas considerações, analisamos a possibilidade de proteção das características distintivas de produtos do universo da moda pelo Trade Dress e verificamos que diversas características que podem efetivamente ser consideradas trade dress podem ser protegidas, também, como marca e/ou como desenho industrial, desde que atendam aos requisitos necessários próprios desses institutos.

Contudo, no que diz respeito aos designs de artigos do vestuário e de acessórios, essa proteção nem sempre é possível. Isso porque o consumidor geralmente não consegue identificar a origem desses produtos sem a presença das respectivas marcas, o que significa que lhes falta a necessária distintividade.

Entretanto, relatamos que, a partir da constatação, há alguns anos, da dinamicidade relativa aos elementos característicos presentes nas embalagens dos produtos dos segmentos de brinquedos, e que formam o trade dress desses produtos, recentemente atentamos para o fato de que essa mesma dinamicidade está presente nas embalagens e nos produtos da moda, a exemplo das características das bolsas Kipling, as quais se repetem em todos os modelos da marca, porém em diferentes tamanhos e posições em relação às peças.

Nesse aspecto, entendemos ser possível construir uma identidade visual distintiva para os designs
de moda a partir do uso de elementos específicos, tais como fechos, botões, rendas, ilhoses, etc., desde que empregados em conjunto e de forma contínua nas coleções.

Com base nessa possibilidade, concluímos que, mesmo que as características específicas que compõem o trade dress dos produtos nesses segmentos não sejam estáticas, ainda assim elas podem contribuir significativamente para a identificação da origem desses produtos pelos consumidores, independentemente da presença da marca. Diante disso, de modo a diferenciar esse fenômeno da característica clássica do trade dress – a qual é de ser constante, porém estática em relação à uniformidade de sua apresentação nos produtos –, sugerimos a adoção da expressão “trade dress dinâmico”.

Desse modo, esperamos que essa proposta de classificação – que pertence ao universo jurídico – contribua não apenas com os litígios judiciais, como também para orientar os designers de moda
a criarem suas coleções de forma que possam contar com uma proteção efetiva, até agora apenas
explorada por pouquíssimas empresas, tais como a citada multinacional Kipling, que certamente é um exemplo de estratégia a ser seguida.

© Deborah Portilho* – junho de 2024

 


[1] Disponível em: https://www.musicforthesoul.org/news/il-knowit-when-i-see-it-breaking-free-from-pornography/. Acesso em: 2 mar. 2024.

[2] Sem registro disponível na internet.

[3] A distintividade inerente ou intrínseca diz respeito à capacidade que a marca/trade dress possui de identificar um produto ou serviço, independentemente do tempo de seu uso no mercado, pois ela já “nasce” diferenciada e se destaca quando comparada às demais concorrentes.

[4] Segundo Gilberto Strunck (2001, p. 57), “Identidade visual é o conjunto de elementos gráficos que irão formalizar a personalidade visual de um nome, ideia, produto ou serviço. Esses elementos agem mais ou menos como as roupas e as formas de as pessoas se comportarem”.

[5] ”Art. 2º – A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: […] V – repressão à concorrência desleal.”

[6] ”Art. 195 – Comete crime de concorrência desleal quem: […]
III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem.”

[7] ”Art. 209 – Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.”

[8] ”Artigo 10 bis – Os países da União obrigam-se a assegurar aos nacionais dos países da União proteção efetiva contra a concorrência desleal. 2) Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial.”

[9] ”Art. 124 – Não são registráveis como marca: […] VIII – cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo.”

[10] São Paulo, Tribunal de Justiça, 36ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital, Ação Ordinária, Processo nº 583.00.2009.108365-0, Autores: Hasbro Inc. e Hasbro do Brasil Indústria e Comércio de Brinquedos e Jogos Ltda, Réu: Manufatura de Brinquedos Estrela S.A.

[11] O conceito “unidade na diversidade” foi utilizado em nosso parecer jurídico em consonância com as análises do designer industrial e gráfico Luiz Nascimento, as quais integraram nosso trabalho.

[12] TJSP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Processo nº 10080716-61.2018.9.26.0100, Rel. Des. Maurício Pessoa, j. 18/8/2020 (Kipling Apparel Corp. vs. VVT Moda Comércio, Importação e Exportação Eireli).

 

Contato:
deborah.portilho@dportilho.com.br 

*Advogada pela UFRJ.
Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pelo INPI, com MBA em Marketing pelo IBMEC.
Presidente da Comissão de Direito da Moda da OAB-RJ (2016-2024).
Parecerista e assistente técnica em ações judiciais.
Professora na Abapi e ESA-SP.
Classificada em primeiro lugar no ranking de Fashion Law do Leaders League (2017-2023) e na Band 1 do Chambers Brazil (2022; 2023).

B I B L I O G R A F I A

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out.1988.
BRASIL. Decreto nº 75.572 de 8 de abril de 1975. Promulga a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade industrial revisão de Estocolmo, 1967. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 abr. 1975.
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GAIARSA, Lucas Martins. Registro de desenhos industriais: esse desconhecido. Boletim da Aspi, n. 41, p. 12-16, jul. 2013/fev. 2014. São Paulo: Associação Paulista da Propriedade Intelectual, 2014.
PORTILHO, Deborah. Parecer Técnico Jurídico. “Parecer acerca da existência de características distintivas dos produtos/marca GlowShine, da Consulente, que possam ser consideradas trade dress e da possível violação desse trade dress pela empresa WICK, que cause diluição e desvio de clientela da GlowShine e, consequentemente, caracterização de concorrência desleal por parte da WICK.” São Paulo, 22 set. 2022. Processo digital nº 1105007-86.2022.8.26.0100, fls. 81-185. São Paulo:
Tribunal de Justiça, 2ª Vara Empresarial de Conflitos de Arbitragem.
PORTILHO, Deborah. Parecer Técnico Jurídico. “Parecer acerca da existência de conflito de trade dress entre as embalagens dos produtos Play-Doh, da Hasbro, e Super Massa, da Estrela, e da caracterização de crime de concorrência desleal decorrente da semelhança entre elas”. São Paulo, 1º set. 2015. Processo nº 0107428-23.2009.8.26.0100. São Paulo:
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TRADE dress under the law. Justia, out. 2023.
Disponível em: https://www.justia.com/intellectual-property/trademarks/tradedress/.
Acesso em: 13 mar. 2024.

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